Tenho algumas impressões ao longo
dos meus dias. Essas impressões são como percepções da vida que se formam na
minha cabeça. Prefiro chamar de impressões porque não as considero verdades
absolutas. São apenas impressões. Elas são sempre mutáveis, desde que o prisma
como enxergo as situações mudam, se transformam, amadurecem. Outro dia tive uma
dessas absorvi uma dessas novas impressões. Vendo algumas fotos, tive a
impressão de que saudade nada mais é do que a representação emocional da
importância que algo teve na sua vida. E o que trouxe isso à tona foi entrar em
contato com pessoas que fizeram parte da minha vida durante a minha infância.
Mais especificamente dos anos que estudei na escola que marcou a minha vida pra
sempre. Percebi como sinto falta da minha infância. Não de mim quando tinha
aquela idade. Sinto falta do tempo, dos dias, da forma como a vida se
desenrolava. Sinto falta dos cenários, dos personagens. Sinto falta até da
falta de tecnologia. Principalmente. Mas foi essa tecnologia que me permitiu
trazer essas lembranças. Hoje as imagens são meio amareladas. Tanto nas fotos,
quanto na minha memória. Mas há coisas tão vivas que chego a sentir no tato, no
toque, no cheiro e na alma. ,
Segunda-feira era um alvoroço só.
Nada de preguiça, nada de reclamar. Eu gostava mesmo era da segunda-feira. Era hora de reencontrar meus amigos depois do fim de semana. Fazer a fila pra entrar pra sala
todo mundo junto, em ordem.
Quando as aulas eram em sala, eu
tentava me concentrar. Muito embora a ideia de correr por aqueles pátios
imensos me entorpecesse. Mas ao toque do sinal anunciando o recreio, essa
ansiedade se transformava em euforia. Era dada a largada para a corrida à
cantina.
“Me dá as frentes?”
“Não, te dou as costas.”
Nos dias de hoje, essas seriam
frases ditas com uma conotação talvez nunca cogitada por nós. Não na idade que
falávamos isso. Mas era assim que a gente furava fila em 1980 e poucos. Ou
muitos.
“Seu pastor, me vê um misto e uma
coca!”.
A hora da merenda, como
costumávamos chamar, era um momento coberto de liberdade. Numa quadra imensa,
uns corriam, outros permaneciam sentados nas mesinhas que ficavam perto da
horta. Sempre tinha a tia Rosa, a tia Graça, a tia Leila e a Geraldina pra nos
espionar... ops, superviosionar.
E quando a aula depois do recreio
era de educação física?
Minha nossa, quanta alegria. A
vida era realmente uma perfeição só.
O mês de maio era especial.
Sabíamos que seria coberto de orações conduzidas pela voz aguda e estridente da
Irmã Maristela. Aquele microfone parecia já conhecer o roteiro:
“Consagração À Nossa Senhora
Oh, Minha Senhora, oh minha mãe
Eu me
ofereço, toda a vós
E em prova da minha devoção para convosco
Eu vos consagro
neste dia
os meus
olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração
inteiramente
todo meu ser
e por ser
assim tão vossa
oh
incomparável mãe.
Guardai-me
Defendei-me
Como coisa a
própria vossa
Amém”
“Magnifica.
Magnifica.
É o caanto
De aamor
Minhalmen
Grandece
Adeeeus
Meu sal-va-dor...”
"Põe tua mão, na mão do meu Senhor, da Galileia...
Põe tua mão, na mão do meu Senhor que acalma o mar...
Meu Jesus, que cuida de mim, noite e dia sem cessar
Põe tua mão, na mão do meu senhor, que acalma o mar...
VIVA NOSSA SENHORA!
Nos
organizávamos em ordem crescente no pátio da frente da escola. A primeira fila, lá perto do palco, era do maternal da Tia
Terninha. Todos tivemos o maternal da tia Terninha com aquele vestidinho azul e
aquele tapetinho fantástico. A melhor soneca da infância.
Conforme
mudávamos de série, mudávamos de localização naquele pátio com chão de azulejos
amarelos. Eram quadrados pequenos, mas todos que por ali passaram, mediram seus pés. Todos que "formavam" para cantar o hino nacional, para rezar, para ouvir à Irmã Hermínia, sentia a necessidade de que seu pé ainda coubesse naquele quadradinho.
"Dá um quadrado de espaço pro coleguinha".
O parquinho que
antes era o nosso êxtase diário se tornou pequeno demais. Agora usávamos a
roupa de gala. Saia de Brim, camisa de botão, emblema da escola no peito. Tudo
bege e marrom. Eu, particularmente, sempre troquei a saia pela calça. Nunca
gostei.
Uns tocavam
na banda marcial. Eu tocava Lira. E sentia um orgulho imenso de vestir aquele
uniforme. Outros empunhavam as bandeiras. O desfile de 7 de Setembro na 28 era a
sensação do ano. Os ensaios da banda nos sábados de manhã eram sagrados. Nossa,
como a vida era boa!
Mas o êxtase mesmo estava na Oitava Série. A famosa série onde você podia ir pra escola de "roupa normal". A entrega dos uniformes. Um ritual. Infelizmente aquele "convite" me negou essa realização. Meu ritual foi na Sétima mesmo. Sem honras, sem emoção. Também pudera. Eu não era lá um exemplo de aluna no que concerne o assunto comportamento. As notas até eram boas, mas de resto... só o tempo pra me ensinar mesmo. E como foi duro deixar. Como foi duro não estar com aquelas pessoas. Acho que foi minha primeira grande separação, minha primeira grande decepção. Minha primeira grande lição!
Hora da chamada. Meu número
sempre girava entre o 27 e 32. Mas isso não tem nada a ver com o que estou
contando. Eu só lembrei mesmo.
Todo e qualquer evento que tinha
na escola era “O evento.” Eu fui Nossa Senhora, eu fui anjo... eu fui atriz, musicista, ajudante da tia Terninha. Eu fui até da parte de esporte do grêmio. MInha chapa se chamava Opção, e o nosso jingle de campanha nunca saiu da minha cabeça. Era uma paródia de Roberto Carlos. É... a gente ouvia Roberto Carlos.
“Vote uniforça, não não.
Vote Opção.
A Opção virou minha cabeça e o
meu coração”
A gente não xingava o professor. Você
se imagina xingando a tia Hilda ou a Tia Luiza? Tia Beatriz? Tia Aparecida? Tia Andreia? Tia Terninha? O Ricardo Sepe? A Ana Cristina,
de matemática? Não tem como. Hoje eu sei que eu não tinha medo deles. Eu
descobri que a minha primeira lição de respeito veio deles. De admiração. De
carinho.
Muitas das lembranças
maravilhosas eu infelizmente não consigo dividir. Não consigo reproduzir. Não consigo
desamarelar a ponto de colocar em palavras. Elas são tão minhas! São tão
particulares!
São memórias que eu jamais vou
conseguir esquecer. Acho que todos os anos da minha vida vão passar, mas eu
nunca vou deixar de ser a Ludmilla, aluna do Educandário Sagrada Família. Porque
foi exatamente isso que todos se tornaram para mim. Uma Sagrada Família.
Eu estava passando na porta da escola quando vi as cadeiras saindo. Vi um caminhão parado e vi que estavam tirando as carteiras. Não me toquei no momento, mas no instante seguinte a realidade me veio como um pedregulho na cabeça. Como eu poderia conviver com a ideia de que meus filhos nunca vão poder ter contato com a educação que eu tive? Sofri ali, dentro do meu carro. Minhas lágrimas não puderam ser contidas. Aquele era, de fato, o fim da minha história.
Todas as vezes que passo por lá, faço questão de olhar pra dentro. Faço questão de ver o carramanchão, ainda verdinho, perdendo sua cor. Faço questão de ver as paredes perdendo a cor, o chão se desbotando. Como eu fui feliz. Acreditem, eu fui verdadeiramente feliz naquele lugar.
A todos vocês, mestres, alunos,
irmãs, aqui fica o meu muito obrigada. Obrigada por me proporcionarem os
melhores anos da minha vida. Obrigada por me marcarem a ponto de me fazerem
lembrar de cada detalhe, de cada momento que, por ter se tornado tão especial,
se tornou também inesquecível.
“A vida é curta. Vivamos com a
consciência tranquila e teremos o Céu perto de nós."